segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

TEXTO: rupturas e aproximações entre o design gráfico e a arte na contemporaneidade

(artigo apresentado por mim no congresso internacional de arte e novas tecnologias em são paulo - usp)



RESUMO

Esta pesquisa trata-se das rupturas e aproximações existentes entre o design gráfico e a arte na contemporaneidade, em que quebras dos paradigmas existentes em seus conceitos proporcionaram o intercâmbio entre suas linguagens. De um lado, temos a (trans) formação das artes influenciadas por novos conceitos e técnicas de representação “pós-revolução industrial” e, posteriormente, “pós-revolução digital”. De outro, temos a (des) construção do design gráfico influenciado pelos recursos dos softwares gráficos. Nas duas supracitadas foi identificada uma hibridização de linguagens, cujas produções e características ainda estão em fase de definição.

Palavras-chave: design gráfico; arte; contemporaneidade; hibridização de linguagens


INTRODUÇÃO


Esta pesquisa teve como objeto geral de estudo e reflexão a nova visualidade dos produtos de linguagens híbridas entre as comunicações e as artes na contemporaneidade, especificamente entre o design gráfico e as artes visuais. O ponto de partida para essa reflexão surgiu da observação das modificações ocorridas nas linguagens artísticas e nas linguagens de comunicação, desde a revolução industrial até os dias atuais, em que quebras dos paradigmas existentes em seus conceitos proporcionaram o intercâmbio entre suas propostas.

De um lado, temos a (trans) formação das artes a partir da ruptura com a tradição naturalista de matriz renascentista no início do século XIX, influenciadas por novos conceitos e técnicas de representação “pós-revolução industrial” e, posteriormente, “pós-revolução digital”, descrito nessas pesquisas com base em Walter Benjamin (1993), Alberto Tassinari (2001), Lúcia Santaella (2003 e 2005) e Ferreira Gullar (1993).

De outro, temos a (des) construção do design gráfico a partir de novas experimentações em busca da intuição e expressão, influenciada pelos recursos dos softwares gráficos, descrito nessas pesquisas com base em Richard Hollis (2000), Flávio Cauduro (1998, 2000, 2001 e 2002), Lenara Verle (1996), João Pedro Jacques (2002) e Ana Cláudia Gruszysnki (1999).

Nas duas supracitadas foi identificada uma hibridização de linguagens em diversos níveis, cujas produções e características ainda estão em fase de definição, abrindo um espaço para novos estudos e pesquisas.


A (TRANS) FORMAÇÃO DA ARTE

No campo das artes, a partir do final do século XIX, com as conseqüências da revolução industrial, do desenvolvimento de um sistema capitalista e de uma sociedade de consumo, vimos desencadear um desejo intencional dos artistas de romper, de ir a busca de novas experimentações, negando o período antecedente de tradição de matriz renascentista, em favor de uma nova época.

A partir do estudo de diversas referências bibliográficas constatamos que, as vanguardas artísticas levaram a crise dos suportes tradicionais da arte até o seu ponto mais radical, possibilitando experimentações de uma nova obra de arte que se permite a ultrapassar os limites da moldura, a descer dos pedestais, a se tornar intencionalmente aberta, autônoma, auto-reflexiva, heterogênea, híbrida e interativa.

Ligado a esse contexto, inicia-se o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos dispositivos de captação e reprodução de imagem que, anos mais tarde, vem influenciar e determinar as características de uma nova arte. Inicialmente a revolução eletrônica e, posteriormente, a revolução digital, com a popularização do microcomputador, das máquinas digitais de alta resolução como as filmadoras, câmeras fotográficas, impressoras, mesas digitalizadoras, softwares gráficos de alta performance e mídias de armazenamento e transporte.

A arte termina por romper não apenas com a representação naturalista como previsto, mas, também, com as fronteiras entre sua própria linguagem e as de outras áreas, atingindo níveis tão intricados a ponto de pulverizar e colocar em questão o próprio conceito de artes plásticas, expandindo o seu campo para outras áreas como: desenho industrial, publicidade, cinema, televisão, moda, vídeo e computação gráfica.


A (DES) CONSTRUÇÃO DO DESIGN GRÁFICO

De acordo com Richard Hollis (2000:01-03), design gráfico é a atividade de criar e/ou escolher elementos visuais sobre um "objeto" (que pode ser um produto, pessoa, evento, lugar, etc.) combinando-os entre si em um suporte qualquer que, dependendo de sua disposição e contexto, transmite uma determinada idéia específica. O significado transmitido tem pouco, ou nada, a ver com a pessoa que os criou e/ou escolheu, deixando de expressar a idéia/sentimento pessoal do designer, para refletir as necessidades do "objeto" em questão, fundamentadas por informações coletadas diretamente com o cliente (briefing) ou indiretamente (estudos e pesquisas de campo). Mesmo sendo a criação dirigida pelas preferências estéticas do designer, a mensagem precisa estar em concordância com o seu público-alvo e a situação de mercado na qual o "objeto" está inserido.

De acordo com Ansley (apud COWAY apud GRUSKYNSKI, 1999:02) por muito tempo o design gráfico esteve ligado, sobretudo, à noção de codificação de informações voltadas para a comunicação, sendo o designer apenas o intermediário entre os informantes (jornalistas, pesquisadores, escritores) e os especialistas na escolha dos modos efetivos de transmissão (técnicos, engenheiros, impressores).

Durante e após a I Guerra Mundial, a escolha e/ou criação dos elementos visuais e sua disposição resumia a racionalidade e ordem que, no entre-guerras, foram elementos fundamentais da escola Bauhaus que pregava o cultivo à organização, à padronização, à clareza e à harmonia, em contraposição à emoção, à anarquia, ao caos e à desestabilização estimulada na época e posteriormente sucedida pela "escola suíça", que refinou e reprimiu mais ainda quaisquer subjetivismos, regionalismos ou ‘estilismos kitsch’ que ameaçassem contaminar o padrão dos racionalistas alemães.

João Pedro Jacques (2002:11) constata que, contra o cansaço público referente à falta de espírito e de atitude nos trabalhos racionalistas e em prol da sensibilidade, intuição, improvisação, ambigüidade e expressão surgem os movimentos anti-racionalistas decorrentes inicialmente de fatores culturais e políticos como a Revolução Cubana (1959) com seus pôsters de divulgação de manifestações sociais, políticas e culturais; a reação à Guerra do Vietnã (1964-75) e os protestos sociais em Paris (1968) com o domínio da técnica de impressão por estudantes e grupos de protestos, que utilizam como suporte de comunicação às ruas, através de pôsters dramáticos distribuídos entre si; o movimento underground (meados de 1960) com a tecnologia gráfica do "faça-você-mesmo" e o movimento psicodélico com uso de drogas alucinógenas (legais na Califórnia até 1966), cujos designers criavam a partir de experiências visuais com LSD.

Paralelamente a esses movimentos, nos anos 60 jovens designers suíços como Wolfang Weingart em Basle e Odermatt & Tissi em Zurique passaram a realizar soluções não dogmáticas, mais descontraídas e improvisadas. Nos anos 70 essa rejeição se espalha aos poucos pelas escolas norte-americanas, dando origem ao estilo expressionista e intuitivo da New Wave Califórnia e alterando decisivamente o cenário mundial das artes gráficas.

Nos anos 80 uma nova geração de designers e novas escolas começaram a explorar o computador, que permitia grandes e fáceis manipulações, terreno para nova e necessária concepção de linguagem, dadas às possibilidades de distorção, sobreposição, hibridização de imagens, fotocomposição e utilização do processo de reprodução para fundir imagem e palavra. Como exemplos do uso desses processos podemos citar a San Francisco School (1980); a New Wave Europeu; o Movimento Retrô em Nova York e o designer David Carson (anos 90).

Jacques (2002:29) afirma que as novas mudanças tecnológicas demandaram uma completa reformulação dos preceitos e práticas do design. Gruszynski (1999:03) confirma dizendo que passamos a compreender o design gráfico em um novo patamar, não apenas de um codificador de mensagens ou intermediário entre os informantes e os especialistas de transmissão, como foi ressaltado inicialmente, mas o designers podem agora articular elementos visuais que não seguem a idéia de decodificação apenas, mas se abrem para interpretações inusitadas.

Com a introdução do computador pessoal e da editoração eletrônica, como geradores de imagens de fácil acesso e manipulação, associados ao contexto social e cultural, surge uma nova sensibilidade na composição visual: a busca do experimentalismo em favor da múltipla interpretação, despreocupação com a legibilidade do texto e busca da expressão. Surge uma nova estética, reflexo do incentivo ao enriquecimento das possibilidades expressivas e interpretativas, tanto do designer quanto dos leitores (CAUDURO, 2000:132). O que aproximou a linguagem do design gráfico da linguagem artística.

O designer passou a refletir sobre a possibilidade de estratégias que possibilitassem constantes jogos interpretativos, incentivando a participação do leitor na interpretação, nos remetendo a idéia de "obra aberta" de Umberto Eco, característica primordial da obra de arte: "A obra de arte é uma mensagem fundamentalmente ambígua, uma pluralidade de significados, que coexistem num só significante" (ECO apud MELO, 2003:15). Gullar, referindo-se ao conceito de Eco, reforça-o dizendo que toda obra de arte tem por princípio ser "aberta", uma vez que sua expressão não se reduz a um conceito lógico, unívoco: ela é resultado de uma organização espacial de elementos expressivos, de tal modo que qualquer mudança na relação desses elementos muda-lhe o sentido. (GULLAR apud MELO, 2003:15).

A partir da rejeição dos novos designers aos conceitos de legibilidade e funcionalidade do modernismo, em função do cultivo à intuição, hibridização, desordem e improvisação, surge a intervenção da criatividade/subjetividade do designer na tipografia, na intenção de provocar os leitores, emocioná-los, diverti-los e, até mesmo enfurecê-los, os textos lingüísticos são valorizados em sua composição visual, a qual passa a ter um destaque até mesmo maior do que o do conteúdo semântico; na utilização de ruídos, as "imperfeições" evitadas anteriormente passam a ser provocadas intencionalmente, buscando experimentações e explorações; na hibridização de imagens mensagens apresentam-se deliberadamente ambíguas, layouts que "brincam" com sobreposições de imagens, de textos lingüísticos, de transparências, de "marcas d'aguas" , como uma grande brincadeira de criar, inventar novas diagramações, investir na expressão, na montagem, na imaginação, fragmentos de textos e imagens montados em parte por processos desconstrutivos das formas.

O resultado é um projeto gráfico aparentemente de soluções irracionais, inseridos em uma miscelânea de elementos compositivos, de misturas de estilos (constituído pelas variantes tecno, punk, grunge, pop), em busca do ecletismo de fontes históricas de inspiração pessoal do designer, valorizando seus elementos afetivos, introduzindo impertinências visuais e produzido pela hibridização, possibilitada pelas novas tecnologias da computação, com mídias e técnicas mais tradicionais, tendendo a liberar cada vez mais a criatividade artística dos designers, cuja função comunicativa não é mais a única razão de ser do projeto.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa supracitada permitiu concluir que romper fronteiras nessa contemporaneidade parece ser uma característica dominante das produções artísticas/comunicacionais atuais, sendo seu resultado a emergência de uma linguagem originalmente híbrida construída a partir de outras que se permeiam, cujas características ainda estão em fase de definição, acompanhando o desenvolvimento de seu processo de criação, suas novas formas de experimentações estéticas, novas técnicas, novos conceitos sugerindo uma “nova visualidade”, caracterizada por hibridização até, então, discutida.

O termo “produto” refere-se, propositalmente, a não definição de um resultante, seja de produção de arte ou de comunicação.

As linguagens híbridas aqui apresentadas referem-se aos resultados dos “caminhos interatuantes (que) as comunicações e as artes vieram percorrendo”, “uma indissociação que veio crescendo através dos últimos séculos para atingir seu ponto culminante na contemporaneidade” (SANTAELLA, 2005:07).


REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas, São Paulo: Brasiliense, 1993.

CAUDURO, Flávio Vinicius. Design Gráfico e Pós-Modernidade. Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 13, dezembro 2000.

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______________________. Desconstrução e Tipografia Digital. Revista Arcos: cultura material e visualidade. vol.1, nº único, RJ: ESDI, 1998. p. 23-31.

______________________. Tipografia Digital Pós-Moderna. Trabalho apresentado no Núcleo de Pesquisa Semiótica da Comunicação, XXV Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Salvador/BS, 04 e 05 de setembro de 2002.

FARIAS, Priscila. Tipografia Digital - o Impacto das Novas Tecnologias. Rio de Janeiro: Ed. 2AB, 2001.

GRUSZYSNKI, Ana Cláudia. O Design Pós-Moderno e as Vanguardas. Trabalho apresentado no INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos da Comunicação – XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Campo Grande-MS

______________________. Design gráfico, Tecnologia e Mediação. In: III Seminário Internacional de Comunicação, 1999, Porto Alegre: PUCRS, 1999.

GULLAR, Ferreira. Argumentação Contra a Morte da Arte. Rio de Janeiro: Revan, 1993.

JACQUES, João Pedro. Tipografia Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Ed. 2AB, 2002.

HOLLIS, Richard. Design Gráfico uma História Concisa. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.

MELO, Desirèe Paschoal de. "Obra-Aberta" - Uma Instalação. Relatório apresentado à banca examinadora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul para obtenção do grau de Bacharel em Artes Visuais. Campo Grande-MS, UFMS, 2003.

SANTAELLA, Lúcia. Por que as Comunicações e as Artes estão Convergindo? São Paulo: Ed. Paulus, 2005.

TAVARES, Mônica Batista Sampaio. Diferenças do Criar com o Uso das Novas Tecnologias. O indivíduo e as mídias. Revista COMPÓS. São Paulo, Editora Diadorim, 1996.

VERLE, Lenara. Branca de Neve e os Sete Pixels: um estudo sobre imagem digital. Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 5, novembro 1996.

I sobre imagem digital. Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 5, novembro 1996.

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